quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

JOHN BYRNE, FRANK MILLER E GEORGE PEREZ: a trindade que redefiniu a trindade.
Em 1985 a DC Comics completava 50 anos de existência, e para comemorar essa data, nada melhor do que ser bem americano e destruir tudo num evento apocalíptico hollywoodiano. Assim nasceu a maior saga de super-heróis de todos os tempos, e isso para se dizer o mínimo sobre Crise nas Infinitas Terras, o megaevento que comemorou o aniversário da DC destruindo gloriosamente o Universo DC.
Em 1961 na revista Flash #123 foi publicada a história "Flash de dois mundos", que mostrava a coexistência de universos paralelos numa mesma continuidade. Havia várias Terras e essas Terras possuíam versões dos super-heróis da Terra base. 1961 também seria um ano importante para a Marvel Comics, pois foi nessa ano que seu universo compartilhado começou com Fantastic Four #1. Naquele ano, Flash de dois mundo foi eleita a melhor historia em quadrinhos do ano.
Havia então múltiplas Terras e o conceito foi tão amado pelos leitores que imediatamente a DC tratou de mostrar outras Terras.
Mas as histórias se centravam sobretudo nas Terras 1, 2 e 3.
Porém havia infinitas Terras e o que começou como uma ideia genial se tornou um monstro editorial de infintas cabeças. Os editores brincavam com a continuidade e os leitores logo foram percebendo que, mesmo gostando do conceito, ele estava sendo exagerado a um nível sem precedentes, a tal ponto que não se sabia mais se uma história estava valendo ou se era alternativa.
Crise nas Infinitas Terras veio para organizar tudo isso. Ao final da mega saga existiria apenas uma única Terra, com único Flash, um único Superman, um único Batman, uma única Mulher-Maravilha, e assim por diante. As origens sofreram algumas alterações e não foram apenas os personagens do segundo escalão.
Muito longe disso. A DC estava pronta para assumir os riscos e modificar muita coisa nos seus três principais super-heróis.
Foi assim que John Byrne, Frank Miller e George Perez entraram no jogo.
Byrne vinha de uma fase dourada nos X-Men da Marvel. Miller havia sacudido o meio editorial com Cavaleiro das Trevas e Perez era nada mais nada menos do que o desenhista de Crise.
A DC apostava grande nessas reformulações.


John Byrne ficou com o Superman. Iniciando uma fase que duraria dois anos, de 1986 até 1988, Byrne virou completamente o universo do Homem de Aço.
Sua fase começa em Junho de 1986. Nesse momento ele escreve e desenha Man of Steel, uma minissérie em seis edições quinzenais. Todas as seis edições venderam mais de 1 milhão de cópias. Cada uma delas é dedicada à importantes pontos da mitologia do personagem:
#1:Krypton,Smalville;
#2:Metropolis,LoisLane;
#3:Batman;
#4:LexLuthor;
#5:Bizarro;
#6: Smalville, Lana Lang.
Após terminar a minissérie, em setembro de 1986 é lançada Superman #1. Foi pedido do próprio Byrne que a revista zerasse a numeração.
O sucesso dele com o Superman foi tão grandioso quanto polêmico. Primeiramente ele transformou Krypton num planeta desolado e estéril onde as pessoas não costumavam manter contatos sexuais. Eliminou metade dos poderes do Homem de Aço, transformou Lex Luthor de bandido psicopata ao maior bem-feitor de Metropolis, magnata e bem visto por todos. Além disso, eliminou muitos pontos da mitologia do Superman: Superboy, Supergirl, os super-pets, todos foram retirados da mitologia. Embora Byrne explicasse a existência de um Superboy em uma aventura épica com Legião dos Super-Heróis e, em seus últimos números, trouxesse de volta a Supergirl (mas não a prima desse Superman, mas uma personagem de outra dimensão, o que, por si só, já começava a romper as diretrizes estabelecidas em Crise nas Infinitas Terras de uma só Terra existente).
Também colocou o Superman em situações vexatórias. Em Action Comics #593, Byrne sugere que Superman foi ator pornô em um filme em que contracenava com a Grande Barda, nova deusa de Nova Gênese esposa de Scott Free, o Senhor Milagre. Embora ele não afirme com certeza, mas fica no ar a questão, e cada um pode tirar suas próprias conclusões. Porém Byrne era mestre em arrumar brigas com as editoras por assuntos assim.
Na sua fase com a Mulher-Hulk, da Marvel, ele colocou a super-heroína em uma cena em que ela depilava as pernas, foi o estopim para abandonar o título devido á fúria do editor que considerou inadequada a situação para uma super-heroína.
A fase de Byrne durou apenas dois anos, mas foram mais de 60 histórias escritas ou escritas e desenhadas por ele: escreveu e desenhou Man of Steel, em seis edições; escreveu e desenhou Superman do número 1 ao 22; escreveu e desenhou Action Comics do número 584 ao 600; escreveu mais três minisséries, cada uma delas em quatro edições: O mundo de Krypton, O mundo de Smalville (aqui no Brasil, quando do lançamento pela Editora Abril, recebeu o nome de O mundo de Pequenópolis) e O mundo de Metropolis; além das edições anuais de Superman e Action Comics nesse período; e co-escreveu algumas histórias com Marv Wolfman para um terceiro título do Superman: Adventures of Superman (mas nessa caso Wolfman era o escritor principal).
As últimas histórias dessa fase são marcadas pela admiração e pela revolta dos fãs do personagem: em Action Comic #600, Superman finalmente beija a Mulher-Maravilha, mas no final decidem que precisam mesmo é de companheiros humanos (Lois e Trevor); e em Superman #22 ocorre o momento mais duramente criticado, nessa saga, a Saga da Supergirl, ele mata o General Zod e mais outros dois kryptonianos de um universo paralelo.
Mesmo com tanta controvérsia (filme pornô, assassinato e etc.), a fase de Byrne, no geral, é vista como a melhor fase que o personagem teve desde pós-Crise. É difícil hoje encontrar um autor que se dedique tanto e em tão pouco tempo a um único personagem, houve meses em que Byrne escrevia ou escrevia e desenhava até três edições por mês. Mas Superman é assim, para criar com ele tem estar mesmo disposto a sacrifícios.



Frank Miller ficou responsável pelo Batman. Primeiro que, diferente de Byrne, sua estada com o personagem durou apenas cinco meses, e inclui Ano Um e uma pequena história de Natal em Gotham.
Ano Um foi publicada em quatro edições de Batman: #404 ao #407, de fevereiro-maio de 1987.
A saga reconta, seguindo Bill Finger e Bob Kane, os primeiros anos do Cavaleiro das Trevas. A escrita de Miller é menos perturbada do que em O Cavaleiro das Trevas, porém é mais agradável em muitos aspectos. Um deles é o traço elegante de David Mazzuchelli. A dupla já havia trabalhado junta na excelente fase do Demolidor da Marvel. Aqui essa parceria retoma alguns ambientes e situações daquelas que são mostradas em Demolidor, é que isso é característica da visão de mundo de Miller: drogas, decadência moral, corrupção policial, injustiças sociais, políticos corruptos e charlatões.
É emblemática a cena em que Batman chega de surpresa em uma festa da elite de Gotham e afirma:
"Vocês comeram bem! Comeram a vida de Gotham, sua alma! O banquete acabou."
Essa temática social está faltando hoje nos autores. Com exceção de Morrison, a maioria só dedica aos pontos mais escabrosos e insanos do Cruzado Encapuzado.
A Mulher-Gato de Miller e Mazzuchelli é um pouco diferente também, ela é negra. Outro ponto importante é o seu relacionamento tenso com a polícia de Gotham, temos impressão de que apenas Gordon é amigo dele na repartição.
A nuance psicológica permeia Bruce Wayne. Ele conversa sozinho e ele fala com seu pai morto.
"Sim, pai! Eu me tornarei um morcego."
Miller mostra para nós o mais humano e, nesse aspecto, o mais perfeito personagem de quadrinhos. Batman é um personagem até certo ponto fácil de ser trabalhado. Mas aí é que reside o perigo. Pois é sedutor demais simplesmente pegar o personagem e cercá-lo de situações psicóticas e extremas, isso faz parte dele com certeza. Mas Batman é bem mais, muito mais do que essa única face doentia. Para começar Gotham é um ambiente massacrado e degradante, aí já entramos em questões sociais bastante sérias, e como disse acima, Miller aborda isso.
Batman também é um ser das sombras. Sua face heroica é uma criatura noturna que transmite medo. Miller transmite essa característica sem forçar para a matança gore demasiada. Com pouca cor e uma capa tremulando, aliado a um texto incisivo e cortante, temos as trevas da alma de Bruce Wayne esparramadas antes nossos olhos.
Batman também é um personagem triste. Não é para menos. A morte de seus pais é o primeiro ato de uma vida destruída em busca de redenção. A Mulher-Maravilha não conhece essa dor.
Superman conhece parcialmente, ele perdeu sua família também. Mas não conviveu com a mesma tempo suficiente. Já Bruce viu seus pais serem assassinados e, para piorar, em um momento de alegria: o garotinho dançava na frente dos pais depois de uma sessão de cinema. A cena nas mãos de Miller e Mazzuchelli já se tornou antológica.
Ao fim da minissérie, Gordon está esperando o Morcego, ele nos mostra uma carta de baralho...




George Perez ficou responsável pela Mulher-Maravilha.
Primeiramente como co-escritor ao lado de Len Wein e Greg Potter e como desenhista, mas logo depois, e ainda no inicio, no número 4, assumiria todo o roteiro e continuaria como desenhista, embora que, no meio da fase, cuidaria apenas do roteiro.
Perez recontou cada aspecto estabelecido ao longo de décadas com a Amazona, em um trabalho que foi o mais elogiado desse processo de reformulação editorial da DC. Praticamente não há críticas negativas a esse trabalho.
Primeiramente que Perez sempre foi fã assumido de Diana. E isso já conta bastante.
Segundo, se seus roteiros, primeiramente ao lado de Wein e Potter e depois sozinho, renderam histórias de nível bem acima da média, sua arte acompanha as histórias, é linda a cada quadrinho. Sua Diana é de uma perfeição corpórea e beleza verdadeiramente gregas.
Perez também voltou a introduzir nas histórias de Diana o elemento feminista e já no primeiro número.
As amazonas são reencarnações de mulheres assassinadas por homens que se isolam deles, vivendo em uma ilha paradisíaca.
Diana é moldada por Hipólita no barro.
Os deuses também são parte importante nessa reformulação e ocupam, na primeira saga "Deuses e Mortais" ou A saga de Ares, como também é conhecida aqui no Brasil, não apenas um lugar na cultura grega, mas também se questionam sobre sua própria vida entre os homens de modo geral.
Perez permaneceu mais de cinco anos com a Mulher-Maravilha, foram 64 edições de Wonder Woman #1 ao #62 e Wonder Woman Annual #1 e #2, voltando vários anos mais tarde para escrever as edições #168 e # 169. Sua fase é considerada emblemática e faz parte daqueles momentos em que um artista encontra uma personagem e decide fazer a obra de sua vida com ela, ao menos até àquele período de sua carreira.
A Diana de Perez é uma guerreira ainda jovem que parte para o mundo dos homens e lá conhece uma cultura inteiramente oposta àquela de Themyscira.
Perez consegue resgatar para a personagem aquele ar político e feminista das origens, mas o tom não é sombrio. Não é Batman atormentando a elite de Gotham. Ao contrário, Diana é tão radiante quanto Superman, que consegue desmascarar Luthor como o pretenso bom cidadão para os metropolitanos. Em muitas das capas, desenhadas também por Perez, a princesa sempre sorri.
O relacionamento de Diana com sua sexualidade também é abordado. Se seu criador, o psicólogo William Moulton Marston era adepto do sexo livre, em uma entrevista na Ilha Paraíso por Lois Lane, Diana afirma que todas as mulheres ali são bissexuais.
Também é relevante a criação de várias personagens. A mais marcante foi Mindi Mayer, porém as amigas de Diana, Júlia e Vanessa Kapatelis, mãe e filha, também renderam momentos extraordinários e Vanessa seria, ainda com Perez, transformada na vilã Cisne de Prata, numa releitura da Cisne de Prata original.
Perez terminaria sua fase com a Mulher-Maravilha de forma menos polêmica do que Byrne com o Superman. E já foi anunciado, pela DC Comics, o relançamento completo de toda a fase de Perez em Wonder Woman, esperemos que a Panini lance por aqui também.

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